quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Só amor?!



Estranho, você acha que dizer “eu te amo” muda o curso de uma história, assim, magicamente; acha que isso apaga os momentos sofridos, mantém aquele brilho que a nossa incompetência apaga com tanto “deixa como está pra ver como é que fica”. É uma frase linda, sem dúvida. Boa de ouvir, fácil de dizer, difícil de sentir…. E linda. Encerra e inicia com ela muitas coisas. Porém a vida vai ensinando uma lição importante que, já grandinhos que somos, deveríamos saber. Amor não basta. Amor, às vezes, fica pouco, mas tão pouco, que fica insignificante. Sem falar que é exigente e precisa de uma série de aparatos pra fazer a manutenção. Pra dar certo a dois… Precisa muito mais que amor. Mais que um encontro feliz. Mais que inspiração e bons desejos. Mais que um começo arrebatador. Pra dar certo, meu caro, precisa de tudo e mais um pouco.

Precisa de sedução pra fazer o coração disparar no gatilho daquele olhar. De suavidade e delicadeza pra sondar a alma do outro aos poucos, pra evitar as respostas automáticas e ser sincero sem machucar. Precisa de ternura pra achar bonitinho aquele jeito de mexer no cabelo ou aquele cacuete de arrumar os óculos. E também de gentileza pra puxar a cadeira na lanchonete, ou pra dar uma costuradinha no botão da camisa em uma emergência, sem achar isso um peso. Precisa de mistério, muito mistério, que sem ele tudo perde a graça, mas também de revelações e segredos a dois. E de conexões sobrenaturais, aquelas que fazem um sentir uma pontada no peito quando o outro torce o pé no futebol, ou saber que é hora de ligar mesmo quando não era a hora de sempre, mas era a hora que o outro mais precisava ouvir um alô.


Precisa de cortejo pra oferecer uma flor numa hora inesperada, mesmo depois de tanto tempo juntos, ou pra mandar um e-mail apaixonado sem razão. Admiração pra sentir-se sortudo ao lado daquela pessoa, porque nenhuma outra poderia ser melhor. Cortesia pra dar aquele presente que o outro queria faz tempo, mesmo não sendo aniversário ou data especial. E muito romantismo pra abraçar de repente na saída do cinema, pra beijar na boca molhado atrás da porta escondidinho, e pra olhar as estrelas e a lua encantados e dizer, “eu nasci só pra beijar você aqui, agora”.

Precisa também de lambida nos lábios quando vê aquele decote, de prazer em derrubar aquele chantilly no colo e lamber, de alegria pra brincar com todos os pedaços do corpo do outro. De muito tesão no jeito de andar, de falar, de vestir, de fantasiar, de beijar, de tocar. De muito calor naquele abraço no sofá, naquela passadinha de mão debaixo da mesa do restaurante, naquele sorriso malicioso pelo retrovisor, naquela carícia mais ousada. Precisa de muita paixão nos gestos, atos e palavras.


Precisa, de repente, achar graça de novo no cheiro, e ter vontade de beijar e tudo o mais de mil maneiras diferentes e inesgotáveis; precisa desse desejo renovado a cada dia, sentir aquele frio na barriga ao encontrar, daquela mão correndo perigosamente no corpo do outro enquanto se dirige, aquele tremor ao ouvir sussurrado na orelha “eu te quero”, mesmo quando todo mundo acha que já deu o tempo de deixar de querer. Precisa da paz que se sente depois de uma noite de loucuras, e de saber que só há um lugar onde é possível descansar sossegado depois de tanta respiração acelerada, gritos abafados, apertões e pele na pele: os braços daquela pessoa.

Já cansou? Mas peraí, tem muito mais. Precisa também de amizade, coleguismo, cumplicidade. Precisa dar o ombro quando tem briga com a mãe, desentedimento com o chefe, problemas de saúde com o melhor amigo ou quando o time de futebol cai pra segunda divisão. Precisa entender a chateação do outro, mesmo quando se está exultante de contentamento. Precisa de respeito pra não escancarar maldosamente as fraquezas, e nem tocar o dedo na ferida durante uma briga. Precisa de discordância também, afinal, ela é a maior prova de que um não se anulou por causa do outro. Mas também de compreensão pra olhar de um outro lado, mesmo quando ele é o oposto do seu. Precisa da torcida dos amigos, parentes e conhecidos, e aprender a dividir os problemas a dois com pessoas de confiança, que podem enxergar mais do lado de fora e iluminar os pontos escuros. Fidelidade é desejável, mas, além dela, é preciso muita lealdade pra não enganar, não trapacear, não fingir, ou pelo menos fazer tudo isso o mínimo possível. Precisa de um bocado de sorte, sim, mas o quádruplo desse bocado de esforço pra ser a força do outro e deixar ele ser a sua.

E precisa de um pouco de ciúme pra olhar feio pra uma saia muito curta, pra torcer o nariz pra voz de mulher no telefone, pra abraçar forte quando tem alguém olhando demais; mas tudo sem barraco, que isso não precisa. Precisa também de um pouco de insegurança pra lembrar que nada é pra sempre quando não se trabalha, e muito, pra isso. Precisa do medo que dá de perder aquela criatura quando se olha ela dormir tranquila ao seu lado, ou quando ela demora a ligar depois de uma briga, ou quando pinta aquele olhar de desânimo.

Precisa de sinergia, de objetivos em comum, desde os planos pro final de semana até o número de filhos que se quer ter. Precisa de muita força pra lutar junto, pra sentir a dor do outro, pra colocar a mão na testa quando ele vai vomitar, pra ir lá interceder por ele quando ele já desistiu de tentar. Precisa de uma mão pra apertar nas fases difíceis e aquele monte de frases piegas, mas eficientes, como “estou com você”, e “isso tudo vai passar, calma”. Precisa de muita fé em si mesmo, no que há entre os dois e em algo maior. E também de ambição e espírito de equipe pra trabalhar juntos, e não um contra o outro. E de muita, muita coragem pra enfrentar o que for contra as suas certezas; sim, porque é preciso muitas certezas, sem esquecer de se dar o direito de duvidar.
E é preciso não se ser somente em conjunto, mas sozinho principalmente; ser você mesmo também. E, pro bem dos dois, plantar em você o equilíbrio, o desprendimento, a liberdade, a necessidade de privacidade, e ainda incentivar isso tudo no outro, no que você puder ajudar. Precisa de humildade pra admitir que errou o caminho, abaixar o vidro do carro e perguntar pra alguém pra onde ir; e também pra admitir que falou demais naquela hora, que o outro tinha razão naquele dia, que sente saudade e precisa de uma outra chance, ou que precisa de ajuda quando for fazer aquele trabalho da faculdade. Às vezes, precisa de sacrifício.


Precisa cuidar da beleza, de seduzir sempre, de comprar uma camisola nova ou fazer a barba de um jeito diferente. Precisa de muito, muito perdão, pedir e dar: por ter atrasado tanto, por não ter reparado o corte de cabelo novo, por ter esquecido do aniversário de namoro, por ter sido sarcástico e ferino, por não ter feito o necessário, por ter gozado do pai dele, por ter criticado agressivamente o que ele fez com tanto carinho e esforço. E precisa de superação. Muita.

É… Nada fácil. Mas tem o principal, ainda. Precisa de senso de humor, pra rir de si mesmo e fazer gracinha com a meia furada, o cheirinho esquisito, a estria imensa na barriga, a palavra escrita errada no cartão, a cara amassada ao acordar. Criatividade, pra criar novas formas de paixão, e fazer algo surpreendente e diferente a cada dia, mesmo que seja um jeito de pegar na orelha mais enfático, ou um bilhetinho apaixonado na geladeira ou no bolso do casaco. De altruísmo, e pelo menos algumas vezes pensar no outro primeiro do que em si mesmo, abrindo mão do baralho na casa dos amigos ou do chá de bebê com as amigas só porque o outro precisa ficar juntinho. Precisa de diálogos, falar o que está engasgado, aprender a ouvir sem fugir, e a não deixar de dizer nada, mas não necessariamente dizer gritando ou xingando. Precisa fechar os olhos pra alguns defeitos irremediáveis do outro. E muita paciência pra aturar as manias e esquisitices que todo mundo tem, como a história de conferir mil vezes o troco, ou aquele barulho irritante que o infeliz faz com a boca enquanto cozinha ou dirige. Precisa entender que o tempo seu nem sempre é o tempo do outro, e saber esperar. Precisa de muita afinidade pra curtir aquela música juntos, assistir aquele filme, sonhar juntos com aquela casa na praia, planejar as férias, ir àquele lugar ou tentar ver alguma graça no jogo de futebol na TV. Precisa receber e dar proteção, saber botar no colo e fazer o outro ficar quieto, ouvindo o seu coração. Precisa de muita perseverança pra insistir quando tudo parece dar errado, pra ir atrás, pra pedir “não me deixe”, pra dizer “preciso de você aqui”, pra suplicar “me salve”, e ainda lembrar de fazer tudo isso com dignidade e elegância; e depois disso tudo, insistir mais um pouco e só desistir quando sentir o ponto final calando lá dentro. Precisa intimidade pra olhar nos olhos sem medo, e pra saber qual a cor da cueca que ele mais gosta, ou onde ele tem uma marca que esconde de todo mundo, ou o que ele mais gosta de comer, ou o que ele mais gosta de ouvir. E precisa ceder. Muito. Mas muito mesmo.

E tudo isso com o coração alegre e aberto. E tudo isso sabendo que pode acabar. E tudo isso olhando na mesma direção. E tudo isso em meio ao tédio e essa doença que é a rotina. E tudo isso sem perder a esperança. E tudo isso sabendo que tem muito mais. E tudo isso mesmo quando se está cansado. E tudo isso sabendo que não é fácil e que a maioria fracassa… E tudo isso.

E você vem dizer que basta apenas o amor? Infelizmente, não. O amor não mora só no “eu te amo”. Ele se faz nisso tudo aí e em tudo o mais. E quem ama de verdade não pode deixar por menos… E nem consegue. Um “eu te amo” real traz implícito todos esses momentos, vividos, mas agora passados; por isso que ele é doce na boca de quem diz e apaixonante no ouvido de quem fala. E deve ser por isso que, pela primeira vez, essa frase, tão cheia de beleza, me soou tão vazia de sentido…